Humberto Fernandes
Joana Germano
2º Algarvio a vencer a Volta a Portugal
Ricardo Mestre, o embaixador do ciclismo no Algarve
Perfil
1983, foi o ano que a pequena e pacata aldeia da Cortelha, pertencente a freguesia do Azinhal concelho de Castro Marim, viu nascer aquele que seria o seu maior orgulho. De seu nome Ricardo Jorge Correia Mestre que se tornou talvez o maior embaixador deste conselho pertencente ao Baixo Guadiana, filho de emigrantes e criado pelos avós maternos, a bicicleta sempre foi o seu meio de transporte de eleição e o desporto que preferia praticar durante a sua infância, fazendo parte da sua vida desde tenra idade. Com 12 anos a conselho do seu pai integrou conjuntamente com o seu irmão, Mário Mestre, nas escolas de ciclismo do Clube de Ciclismo de Tavira por ser a única da região caso que ainda se mantém depois de em Vila Nova de Cacela ter surgido por alguns anos uma nova escola de ciclismo. No seu 11º ano de escolaridade quis dedicar-se exclusivamente ao ciclismo onde já começava a demonstrar uma capacidade acima da média e onde surgiam os primeiros resultados de relevo, no primeiro ano que começo a ser remunerado com uns modestos 150 euros mensais. Ciclista profissional desde 2005, sempre a defender as cores do Clube de Ciclismo de Tavira, teve o seu primeiro triunfo como profissional no ano seguinte na 6ª etapa da 68ª Volta a Portugal, onde chegou a andar de amarelo como líder da prova, revelando-se uma grande promessa do ciclismo português e com um futuro muito promissor, mas que apesar da sua reconhecida qualidade esteve desde então na sombra de David Blanco (quatro vezes vencedor da Volta a Portugal três das quais pela equipa tavirense), que o reconhecia como seu gregário de luxo. Este ano com a saída de David Blanco e Cândido Barbosa da equipa, Ricardo Mestre teve de assumir o seu papel de líder dentro da equipa, conseguindo de forma inesperada a vitoria no Troféu Joaquim Agostinho uma das provas mais importantes do calendário nacional e um mês depois inscreveu o seu nome na prova mais importante do ciclismo nacional como grande vencedor da 73ª Volta a Portugal em bicicleta onde se impôs de forma categórica.
Oito anos passaram desde que o último português ganhou a Volta a Portugal em ciclismo; sessenta e quatro anos passaram desde que o último e único algarvio ganhou, mas esta é a primeira vez que um algarvio vence com a camisola de equipa algarvia. Ricardo Mestre inscreve assim o seu nome, o nome de Castro Marim e da localidade da Cortelha, na história do ciclismo como um dos vencedores da Volta a Portugal.
Já muito ouvimos falar do ciclista Ricardo Mestre desde a sua grande vitória, mas na verdade quem é o Ricardo e como é como pessoa?
Segundo dizem tímido, humilde, amigo dos amigos e tento ser simples.
A paixão do ciclismo surgiu cedo. Houve obstáculos a ultrapassar para prosseguir carreira nesta modalidade?
Obstáculos existem sempre, mas quando é uma coisa que nós gostamos estamos sempre dispostos a ultrapassar os obstáculos e todos os que me tenho deparado até hoje penso que os tenho conseguido ultrapassar. E espero no futuro conseguir superar outros que possam surgir.
Por exemplo este ano, foi um ano muito difícil em que tivemos cortes significativos no orçamento e foi um ano que trabalhamos por amor à camisola e isso foi um obstáculo que condiciona bastante as nossas vidas.
Muito se falou este ano que o orçamento da equipa baixou dos 800 mil euros para cerca de 300 mil, um dos mais baixos do pelotão, por consequência os ordenados passaram para um terço do que eram. Como vive um ciclista nestas condições e como se consegue ter motivação para sair todos os dias de casa, preparar e ganhar uma Volta?
Isso é uma coisa que mexe bastante no nosso psicológico, na nossa motivação, mas temos que encarar a vida com motivação, sabemos que este é um ano difícil mas não podemos baixar os braços, temos que continuar a lutar, porque se baixarmos os braços então é que vai tudo por água a baixo, temos que fazer tudo para poder melhorar.
Quando falamos numa redução substancial falamos em quê? Houve falta de pagamento? Passaram necessidades?
Não, o pagamento até hoje, com mais ou menos dificuldade até hoje tem sido sempre efectuado, mas vimos os nossos salários serem reduzidos para uma terça parte, o que é muito significativo.
Qual é a média de um ciclista, por exemplo na vossa equipa?
A maioria ronda os 1000 euros, mais descontos, o que de um terço é bastante.
O mundo desportivo é muito exigente e um atleta deve levar uma vida regrada. Teve que abdicar de algumas coisas para se dedicar à carreira e atingir o sucesso, ou apenas devem ser evitados os extremos?
Funciona muito assim. Temos que colocar a modalidade praticamente à frente de tudo, mas temos que gerir as nossas vidas; sabemos que se hoje temos um treino importante não podemos abusar de certas coisas.
Custa por vezes não poder estar tanto com os amigos, ou não poder sair até mais tarde, mas às vezes não sentimos tanto porque já estamos habituados a esse estilo e ritmo de vida e as coisas passam mais naturalmente. Mas há certos momentos em que vemos a família toda junta, queremos desfrutar mais um pouco e aí sim estamos mais condicionados.
E ao nível de treinos? Treinas quantas vezes, quanto tempo?
Treino 7 dias por semana… Isso é muito relativo, porque temos dias considerados dias de descanso que às vezes optamos por descansar, mas por vezes passamos uma ou duas horas em cima da bicicleta. Depois temos treinos de intensidade, de horas, de maior endurance, em média umas 3 ou 4 horas por dia.
Quando é que começa a preparação para a Volta a Portugal? Um mês antes, dois ou desde o início da época que se prepara a Volta?
Nós praticamente focamos a época toda na Volta a Portugal, mas depois a preparação fica mais intensiva nos últimos 2 meses, tentamos ultimar os últimos detalhes.
O que queres dizer quando dizes ainda mais intensiva?
Não quer dizer que tenhamos que treinar mais, o que acontece é que levamos as coisas mais a sério, os treinos mais específicos, maior rigor na alimentação, é tudo mais ao detalhe e não obrigatoriamente na quantidade.
Falaste na alimentação. Qual é o peso que se perde desde o início da época com vista a depois chegares à Volta com menor peso?
Isso varia consoante o ciclista. Existem ciclistas que mantém quase o peso igual durante todo o ano. No meu caso chega a variar até aos 10kg.
Em termos da Volta a equipa preparaou-te para seres o chefe de fila ou foste mais um dos chefes de fila, as coisas proporcionaram-se durante a Volta? Foi muita a pressão que sentiste para esta Volta? Sentiste que tinhas de vencer ou com o passar das etapas tornou-se um objectivo e realidade?
Não me sinto pressionado, as coisas têm decorrido normalmente. Penso que não podemos ir por aí, senão acho que chegamos lá e depois as coisas não correm bem. Em relação ao chefe de fila. A equipa foi com três hipóteses para tentar ganhar a Volta, eu era uma delas; a corrida desenrolou-se assim, tirei partido dessa situação e correu bem.
Nunca houve conflito entre os três?
Não, as coisas desenrolaram-se assim, ajudámo-nos sempre uns aos outros, se calhar foi por isso que tivemos três ciclistas nos quatro primeiros.
A 7 de Julho, quase a um mês do início da Volta, ganhaste de forma categórica a 1ª etapa do Troféu Joaquim Agostinho em Torres Vedras e alcançaste a vitória final dessa prova. Há sempre o mito de quem ganha o Joaquim Agostinho não ganha a Volta.De certo que soube muito bem essa vitória, mas de alguma maneira, e tendo em conta as tuas aspirações para a Volta a Portugal, não te preocupava estares em tão bom momento de forma ainda a um mês do início da grande prova?
Não porque este ano também comecei a época mais tranquilo, a própria época foi mais tranquila. Quisemos testar realmente os nossos momentos de forma, se tínhamos que descansar, se tínhamos que treinar mais; quisemos testar o nosso verdadeiro ritmo e as coisas mostraram que estávamos a seguir um bom caminho e continuamos a trabalhar.
Foi mais um desafio?
Sim, sem dúvida, foi uma maneira de estar na equipa, de ver qual era a condição da equipa e as coisas disseram-nos que estávamos bem equilibrados e bem encaminhados.
Qual era a etapa que te metia mais medo? Ficaste com algum trauma por teres perdido a amarela na Senhora da Graça em 2006…
É aquela etapa que eu gosto de fazer, a que me metia mais receio era a do contra-relógio antes da etapa da serra da estrela. O contra relógio costuma sempre deixar algumas marcas…
Depois de ganhares a camisola amarela no C/R pareceste sempre um campeão da tranquilidade e segurança em ti próprio. Isto correspondia à realidade, estares muito forte psicologicamente, ou as aparências enganam…
2006 era o meu segundo ano de profissional, era a minha segunda Volta, era o segundo ano do Vidal como director desportivo e pecámos por falta de experiência. No final de 7 voltas a Portugal, já passei por muito; passei por momentos muito bons mas outros muito difíceis e isso dá-nos uma certa experiência; também trabalhar com ciclistas como o Cândido Barbosa e o David Blanco que nos ensinam muitas coisas para depois encarar estas situações.
Os mais leigos julgam o ciclismo como um desporto individual, mas na verdade todo o trabalho de equipa, todo o colectivo trabalha para o chefe de fila. Como é ser chefe de fila e sentir que toda a equipa trabalha para ti? É de certo uma responsabilidade acrescida…
O ciclismo está como um desporto individual mas na realidade é um desporto colectivo. Principalmente numa corrida por etapas se não houver uma equipa com capacidade de defender um líder é muito complicado ganhar uma equipa por etapas.
Na tua opinião qual foi o momento decisivo na prova? Quando sentiste que poderias ganhar? Depois da etapa da Torre?
Estava ganha não… A etapa da Torre é uma etapa que com muita facilidade se perdem 2 ou 3 minutos nos últimos 2 km´s e se as coisas correrem mal se for preciso perdem-se 10 ou 15 minutos com muita facilidade. Mas também tenho consciência que é mais fácil defender uma corrida do que atacar e isso é vantajoso.
Alguma vez te sentiste comprometido no teu objectivo de ganhar a Volta? Por falta de força ou por veres que os adversários poderiam estar melhor? Que te poderia faltar a força?
Foi uma etapa daquelas que nós não imaginamos; foi uma etapa que saiu perfeita e que nós não estamos à espera; raramente acontecem situações destas…
Cortar a meta em Lisboa foi o descarregar de emoções acumuladas durante os últimos dias da Volta. O sentimento foi de alívio? Consciencializaste-te aí que a camisola amarela já não escapava? Acreditaste aí que a Volta era tua?
Aí sim tive a certeza que ganhava. O ciclismo é uma corrida que até ao último km tudo pode acontecer, às vezes há imprevistos, há azares, a última etapa, a de consagração, é uma etapa bastante dura e se nos afectarmos podemos sofrer mossas. Mas foi uma alegria.
Em 2006 quando ganhaste em Fafe tinhas um coração nas mãos e este ano a chupeta ao peito. O que simbolizam estes objectos?
Não tem nada a ver com superstições, é apenas a maneira de levar as pessoas que me são mais próximas e tê-las perto de mim. Nessa altura foi um porta-chaves com um coração, oferta da minha namorada, este ano foi a chupeta da minha filha. No futuro não se saberá…!
Qual a sensação de cortar a meta em Lisboa e veres a tua namorada e a tua filha, quando não contavas que lá estivessem?
Foi uma surpresa muito boa, foi emocionante porque poder partilhar esse momento de alegria com as pessoas que mais gostamos é bastante bom e importante.
Quais os segredos desta equipa para vencer 4 edições consecutivas da Volta a Portugal e este ano até de forma surpreendente devido à saída do Blanco e do Cândido e onde muitos diziam que era «uma casa sem dono», onde apenas ficaram os gregários de dois dos melhores ciclistas que passaram por Portugal nos últimos anos…
Esses comentários nunca nos desmotivaram, longe disso. Tivemos o nosso valor, sabemos por aquilo que lutamos. A comunicação social não esteve próxima da nossa equipa, mas trabalhamos e tudo correu com naturalidade.
Achas que te subestimaram que não te deram o valor merecido, visto que nunca foste apontado como favorito?
Há aqueles eternos que toda a gente os consideram sempre candidatos, alguns que nunca mostraram se calhar que podem ganhar uma volta a Portugal, mas que se continua a dizer que são candidatos. Mas se formos ver na classificação dos outros anos, tirando os que estavam à nossa frente…
Com 6 participações na Volta duas delas nos dez primeiros e este ano a grande vitória, como é ficar na historia da Volta a Portugal, sendo que é o segundo algarvio em 64 anos a alcançar este feito? História da volta e do ciclismo português?»
É muito motivante e o meu objectivo é sempre querer melhorar o anterior. Em 2012 tentarei melhorar a de 2011 a época.
Agora que ganhaste a tua primeira Volta, já pensas em repetir este feito?
(Risos) Se participar irei tentar defender.
Esta vitória tem alguma dedicatória especial?
Principalmente à minha família, sobretudo à minha mulher e filha, ao Dr. Benjamim Carvalho, que teve momentos de saúde difíceis e colocou sempre a equipa à frente da sua saúde e ao falecido Brito da Mana que teria gostado de ver um ciclista da escolas do clube sagrar-se vencedor.
Como viveste os dias após a vitória? Foram tranquilos ou de festa? Esperavas todo este mediatismo ao teu redor?
Tranquilo não tem sido nada. Tenho sido muito solicitado, homenagens, jantares, entrevista, televisão. Nós quando estamos na corrida não temos bem percepção de como as coisas estão a acontecer e quando chegamos cá é que com o passar dos dias é que temos a percepção do que envolve.
Sou uma pessoa que passo bem sem o mediatismo, na Volta até chegavam a comentar que fugia sempre do pódio e das televisões.
Na chegada a Tavira, e dias depois na homenagem que te prestaram em Castro Marim, ver alguns milhares de pessoas se mobilizarem para em coro dizerem o teu nome... O que se sente nestes momentos?
Fico contente e orgulhoso; é gratificante ver que as pessoas conhecem o nosso trabalho e os nossos sacrifícios e dá-nos motivação para continuar a trabalhar, é um grande impulso.
Com a performance que conseguiste atingir e maturidade competitiva que revelas, o que poderia isso valer num Giro de Itália, numa Vuelta a Espanha ou mesmo num Tour de França?
Isso são coisas que não se podem dizer porque são muito distintas. Mas é sem dúvida que era uma experiencia que gostava de ter e viver e ganhar é uma coisa que nunca se sabe. É uma experiência que gostava de ter e só depois sim poderia tirar conclusões.
O que é necessário para participares?
É preciso ter uma equipa com estatuto de pró tur, que é a divisão máxima do ciclismo internacional ou então estar numa equipa profissional e que surja um convite que é bastante mais complicado.
E o teu futuro após esta grande vitória? Dás prioridade ao Tavira ou procuras outra formação que te dê outras condições financeiras e desportivas?
Nunca escondi que se tiver essa oportunidade e se reunir condições vou tentar aproveitá-la; sei que é difícil, mas também não é impossível. Se tivesse essa oportunidade penso que qualquer ciclista a agarraria e se isso acontecer também vou tentar agarrar.
E já há alguma perspectiva?
Para já não; claro que há sempre algumas abordagens, mas daí até serem coisas efectivas e que mostrem algum interesse real, isso já é diferente. Se houvesse oportunidade claro que ia tentar subir na carreira e nunca escondi isso. O ciclismo em Portugal está a atravessar um momento bastante difícil e penso que a solução passa pelo internacional.
Se te dessem a escolher entre a Vuelta, o Giro ou o Tour, qual seria a tua opção?
Não tenho preferência (risos); há sempre preferências e claro que se me dessem a escolher era o Tour, mas as coisas não funcional assim. Se vier alguma proposta será bem vinda.
Houve muitas críticas este ano à Volta em Portugal devido ao facto da mesma ter decorrido sobretudo no norte e centro do pais e o Sul ter sido «esquecido». Tratam-se apenas que questões financeiras e de logística, ou o Sul não é terreno aliciante para o ciclismo?
As críticas não têm que ir para a organização, se calhar têm que ir para as autarquias, para o Algarve, não há investimento e sem investimento é lógico que as coisas tornam-se bem mais complicadas. Há empresas que também sabemos que passam por muitas dificuldades. A região de turismo do Algarve sairia sair bastante beneficiada e não os deixam, o que é triste.
Os estudos comprovam que o ciclismo é uma das modalidades que dá mais retorno, é complicado.
Foi sempre um sonho o ciclismo?
Sempre passou por isso. Desde miúdo que sempre gostei muito desporto, sempre joguei à bola, corri e andei de bicicleta e desde o momento que entrei no ciclismo, depois de passar a profissional tive o sonho de ganhar a Volta a Portugal e os seguintes objectivos passam por entrar numa equipa internacional que me dê margem para evoluir, de fazer outras corridas que em Portugal não há possibilidade de fazer.
Há escolas de ciclismo no Sotavento algarvio?
Não, o mais próximo é Tavira, onde estou.
Nunca houve um apelo a essa parte para a inserção da modalidade desta região?
Houve uns ano também uma escola em Cacela, mas teve pouca duração, e esperemos que futuramente possam haver mais escolas.
Joana Germano
2º Algarvio a vencer a Volta a Portugal
Ricardo Mestre, o embaixador do ciclismo no Algarve
Perfil
1983, foi o ano que a pequena e pacata aldeia da Cortelha, pertencente a freguesia do Azinhal concelho de Castro Marim, viu nascer aquele que seria o seu maior orgulho. De seu nome Ricardo Jorge Correia Mestre que se tornou talvez o maior embaixador deste conselho pertencente ao Baixo Guadiana, filho de emigrantes e criado pelos avós maternos, a bicicleta sempre foi o seu meio de transporte de eleição e o desporto que preferia praticar durante a sua infância, fazendo parte da sua vida desde tenra idade. Com 12 anos a conselho do seu pai integrou conjuntamente com o seu irmão, Mário Mestre, nas escolas de ciclismo do Clube de Ciclismo de Tavira por ser a única da região caso que ainda se mantém depois de em Vila Nova de Cacela ter surgido por alguns anos uma nova escola de ciclismo. No seu 11º ano de escolaridade quis dedicar-se exclusivamente ao ciclismo onde já começava a demonstrar uma capacidade acima da média e onde surgiam os primeiros resultados de relevo, no primeiro ano que começo a ser remunerado com uns modestos 150 euros mensais. Ciclista profissional desde 2005, sempre a defender as cores do Clube de Ciclismo de Tavira, teve o seu primeiro triunfo como profissional no ano seguinte na 6ª etapa da 68ª Volta a Portugal, onde chegou a andar de amarelo como líder da prova, revelando-se uma grande promessa do ciclismo português e com um futuro muito promissor, mas que apesar da sua reconhecida qualidade esteve desde então na sombra de David Blanco (quatro vezes vencedor da Volta a Portugal três das quais pela equipa tavirense), que o reconhecia como seu gregário de luxo. Este ano com a saída de David Blanco e Cândido Barbosa da equipa, Ricardo Mestre teve de assumir o seu papel de líder dentro da equipa, conseguindo de forma inesperada a vitoria no Troféu Joaquim Agostinho uma das provas mais importantes do calendário nacional e um mês depois inscreveu o seu nome na prova mais importante do ciclismo nacional como grande vencedor da 73ª Volta a Portugal em bicicleta onde se impôs de forma categórica.
Oito anos passaram desde que o último português ganhou a Volta a Portugal em ciclismo; sessenta e quatro anos passaram desde que o último e único algarvio ganhou, mas esta é a primeira vez que um algarvio vence com a camisola de equipa algarvia. Ricardo Mestre inscreve assim o seu nome, o nome de Castro Marim e da localidade da Cortelha, na história do ciclismo como um dos vencedores da Volta a Portugal.
Já muito ouvimos falar do ciclista Ricardo Mestre desde a sua grande vitória, mas na verdade quem é o Ricardo e como é como pessoa?
Segundo dizem tímido, humilde, amigo dos amigos e tento ser simples.
A paixão do ciclismo surgiu cedo. Houve obstáculos a ultrapassar para prosseguir carreira nesta modalidade?
Obstáculos existem sempre, mas quando é uma coisa que nós gostamos estamos sempre dispostos a ultrapassar os obstáculos e todos os que me tenho deparado até hoje penso que os tenho conseguido ultrapassar. E espero no futuro conseguir superar outros que possam surgir.
Por exemplo este ano, foi um ano muito difícil em que tivemos cortes significativos no orçamento e foi um ano que trabalhamos por amor à camisola e isso foi um obstáculo que condiciona bastante as nossas vidas.
Muito se falou este ano que o orçamento da equipa baixou dos 800 mil euros para cerca de 300 mil, um dos mais baixos do pelotão, por consequência os ordenados passaram para um terço do que eram. Como vive um ciclista nestas condições e como se consegue ter motivação para sair todos os dias de casa, preparar e ganhar uma Volta?
Isso é uma coisa que mexe bastante no nosso psicológico, na nossa motivação, mas temos que encarar a vida com motivação, sabemos que este é um ano difícil mas não podemos baixar os braços, temos que continuar a lutar, porque se baixarmos os braços então é que vai tudo por água a baixo, temos que fazer tudo para poder melhorar.
Quando falamos numa redução substancial falamos em quê? Houve falta de pagamento? Passaram necessidades?
Não, o pagamento até hoje, com mais ou menos dificuldade até hoje tem sido sempre efectuado, mas vimos os nossos salários serem reduzidos para uma terça parte, o que é muito significativo.
Qual é a média de um ciclista, por exemplo na vossa equipa?
A maioria ronda os 1000 euros, mais descontos, o que de um terço é bastante.
O mundo desportivo é muito exigente e um atleta deve levar uma vida regrada. Teve que abdicar de algumas coisas para se dedicar à carreira e atingir o sucesso, ou apenas devem ser evitados os extremos?
Funciona muito assim. Temos que colocar a modalidade praticamente à frente de tudo, mas temos que gerir as nossas vidas; sabemos que se hoje temos um treino importante não podemos abusar de certas coisas.
Custa por vezes não poder estar tanto com os amigos, ou não poder sair até mais tarde, mas às vezes não sentimos tanto porque já estamos habituados a esse estilo e ritmo de vida e as coisas passam mais naturalmente. Mas há certos momentos em que vemos a família toda junta, queremos desfrutar mais um pouco e aí sim estamos mais condicionados.
E ao nível de treinos? Treinas quantas vezes, quanto tempo?
Treino 7 dias por semana… Isso é muito relativo, porque temos dias considerados dias de descanso que às vezes optamos por descansar, mas por vezes passamos uma ou duas horas em cima da bicicleta. Depois temos treinos de intensidade, de horas, de maior endurance, em média umas 3 ou 4 horas por dia.
Quando é que começa a preparação para a Volta a Portugal? Um mês antes, dois ou desde o início da época que se prepara a Volta?
Nós praticamente focamos a época toda na Volta a Portugal, mas depois a preparação fica mais intensiva nos últimos 2 meses, tentamos ultimar os últimos detalhes.
O que queres dizer quando dizes ainda mais intensiva?
Não quer dizer que tenhamos que treinar mais, o que acontece é que levamos as coisas mais a sério, os treinos mais específicos, maior rigor na alimentação, é tudo mais ao detalhe e não obrigatoriamente na quantidade.
Falaste na alimentação. Qual é o peso que se perde desde o início da época com vista a depois chegares à Volta com menor peso?
Isso varia consoante o ciclista. Existem ciclistas que mantém quase o peso igual durante todo o ano. No meu caso chega a variar até aos 10kg.
Em termos da Volta a equipa preparaou-te para seres o chefe de fila ou foste mais um dos chefes de fila, as coisas proporcionaram-se durante a Volta? Foi muita a pressão que sentiste para esta Volta? Sentiste que tinhas de vencer ou com o passar das etapas tornou-se um objectivo e realidade?
Não me sinto pressionado, as coisas têm decorrido normalmente. Penso que não podemos ir por aí, senão acho que chegamos lá e depois as coisas não correm bem. Em relação ao chefe de fila. A equipa foi com três hipóteses para tentar ganhar a Volta, eu era uma delas; a corrida desenrolou-se assim, tirei partido dessa situação e correu bem.
Nunca houve conflito entre os três?
Não, as coisas desenrolaram-se assim, ajudámo-nos sempre uns aos outros, se calhar foi por isso que tivemos três ciclistas nos quatro primeiros.
A 7 de Julho, quase a um mês do início da Volta, ganhaste de forma categórica a 1ª etapa do Troféu Joaquim Agostinho em Torres Vedras e alcançaste a vitória final dessa prova. Há sempre o mito de quem ganha o Joaquim Agostinho não ganha a Volta.De certo que soube muito bem essa vitória, mas de alguma maneira, e tendo em conta as tuas aspirações para a Volta a Portugal, não te preocupava estares em tão bom momento de forma ainda a um mês do início da grande prova?
Não porque este ano também comecei a época mais tranquilo, a própria época foi mais tranquila. Quisemos testar realmente os nossos momentos de forma, se tínhamos que descansar, se tínhamos que treinar mais; quisemos testar o nosso verdadeiro ritmo e as coisas mostraram que estávamos a seguir um bom caminho e continuamos a trabalhar.
Foi mais um desafio?
Sim, sem dúvida, foi uma maneira de estar na equipa, de ver qual era a condição da equipa e as coisas disseram-nos que estávamos bem equilibrados e bem encaminhados.
Qual era a etapa que te metia mais medo? Ficaste com algum trauma por teres perdido a amarela na Senhora da Graça em 2006…
É aquela etapa que eu gosto de fazer, a que me metia mais receio era a do contra-relógio antes da etapa da serra da estrela. O contra relógio costuma sempre deixar algumas marcas…
Depois de ganhares a camisola amarela no C/R pareceste sempre um campeão da tranquilidade e segurança em ti próprio. Isto correspondia à realidade, estares muito forte psicologicamente, ou as aparências enganam…
2006 era o meu segundo ano de profissional, era a minha segunda Volta, era o segundo ano do Vidal como director desportivo e pecámos por falta de experiência. No final de 7 voltas a Portugal, já passei por muito; passei por momentos muito bons mas outros muito difíceis e isso dá-nos uma certa experiência; também trabalhar com ciclistas como o Cândido Barbosa e o David Blanco que nos ensinam muitas coisas para depois encarar estas situações.
Os mais leigos julgam o ciclismo como um desporto individual, mas na verdade todo o trabalho de equipa, todo o colectivo trabalha para o chefe de fila. Como é ser chefe de fila e sentir que toda a equipa trabalha para ti? É de certo uma responsabilidade acrescida…
O ciclismo está como um desporto individual mas na realidade é um desporto colectivo. Principalmente numa corrida por etapas se não houver uma equipa com capacidade de defender um líder é muito complicado ganhar uma equipa por etapas.
Na tua opinião qual foi o momento decisivo na prova? Quando sentiste que poderias ganhar? Depois da etapa da Torre?
Estava ganha não… A etapa da Torre é uma etapa que com muita facilidade se perdem 2 ou 3 minutos nos últimos 2 km´s e se as coisas correrem mal se for preciso perdem-se 10 ou 15 minutos com muita facilidade. Mas também tenho consciência que é mais fácil defender uma corrida do que atacar e isso é vantajoso.
Alguma vez te sentiste comprometido no teu objectivo de ganhar a Volta? Por falta de força ou por veres que os adversários poderiam estar melhor? Que te poderia faltar a força?
Foi uma etapa daquelas que nós não imaginamos; foi uma etapa que saiu perfeita e que nós não estamos à espera; raramente acontecem situações destas…
Cortar a meta em Lisboa foi o descarregar de emoções acumuladas durante os últimos dias da Volta. O sentimento foi de alívio? Consciencializaste-te aí que a camisola amarela já não escapava? Acreditaste aí que a Volta era tua?
Aí sim tive a certeza que ganhava. O ciclismo é uma corrida que até ao último km tudo pode acontecer, às vezes há imprevistos, há azares, a última etapa, a de consagração, é uma etapa bastante dura e se nos afectarmos podemos sofrer mossas. Mas foi uma alegria.
Em 2006 quando ganhaste em Fafe tinhas um coração nas mãos e este ano a chupeta ao peito. O que simbolizam estes objectos?
Não tem nada a ver com superstições, é apenas a maneira de levar as pessoas que me são mais próximas e tê-las perto de mim. Nessa altura foi um porta-chaves com um coração, oferta da minha namorada, este ano foi a chupeta da minha filha. No futuro não se saberá…!
Qual a sensação de cortar a meta em Lisboa e veres a tua namorada e a tua filha, quando não contavas que lá estivessem?
Foi uma surpresa muito boa, foi emocionante porque poder partilhar esse momento de alegria com as pessoas que mais gostamos é bastante bom e importante.
Quais os segredos desta equipa para vencer 4 edições consecutivas da Volta a Portugal e este ano até de forma surpreendente devido à saída do Blanco e do Cândido e onde muitos diziam que era «uma casa sem dono», onde apenas ficaram os gregários de dois dos melhores ciclistas que passaram por Portugal nos últimos anos…
Esses comentários nunca nos desmotivaram, longe disso. Tivemos o nosso valor, sabemos por aquilo que lutamos. A comunicação social não esteve próxima da nossa equipa, mas trabalhamos e tudo correu com naturalidade.
Achas que te subestimaram que não te deram o valor merecido, visto que nunca foste apontado como favorito?
Há aqueles eternos que toda a gente os consideram sempre candidatos, alguns que nunca mostraram se calhar que podem ganhar uma volta a Portugal, mas que se continua a dizer que são candidatos. Mas se formos ver na classificação dos outros anos, tirando os que estavam à nossa frente…
Com 6 participações na Volta duas delas nos dez primeiros e este ano a grande vitória, como é ficar na historia da Volta a Portugal, sendo que é o segundo algarvio em 64 anos a alcançar este feito? História da volta e do ciclismo português?»
É muito motivante e o meu objectivo é sempre querer melhorar o anterior. Em 2012 tentarei melhorar a de 2011 a época.
Agora que ganhaste a tua primeira Volta, já pensas em repetir este feito?
(Risos) Se participar irei tentar defender.
Esta vitória tem alguma dedicatória especial?
Principalmente à minha família, sobretudo à minha mulher e filha, ao Dr. Benjamim Carvalho, que teve momentos de saúde difíceis e colocou sempre a equipa à frente da sua saúde e ao falecido Brito da Mana que teria gostado de ver um ciclista da escolas do clube sagrar-se vencedor.
Como viveste os dias após a vitória? Foram tranquilos ou de festa? Esperavas todo este mediatismo ao teu redor?
Tranquilo não tem sido nada. Tenho sido muito solicitado, homenagens, jantares, entrevista, televisão. Nós quando estamos na corrida não temos bem percepção de como as coisas estão a acontecer e quando chegamos cá é que com o passar dos dias é que temos a percepção do que envolve.
Sou uma pessoa que passo bem sem o mediatismo, na Volta até chegavam a comentar que fugia sempre do pódio e das televisões.
Na chegada a Tavira, e dias depois na homenagem que te prestaram em Castro Marim, ver alguns milhares de pessoas se mobilizarem para em coro dizerem o teu nome... O que se sente nestes momentos?
Fico contente e orgulhoso; é gratificante ver que as pessoas conhecem o nosso trabalho e os nossos sacrifícios e dá-nos motivação para continuar a trabalhar, é um grande impulso.
Com a performance que conseguiste atingir e maturidade competitiva que revelas, o que poderia isso valer num Giro de Itália, numa Vuelta a Espanha ou mesmo num Tour de França?
Isso são coisas que não se podem dizer porque são muito distintas. Mas é sem dúvida que era uma experiencia que gostava de ter e viver e ganhar é uma coisa que nunca se sabe. É uma experiência que gostava de ter e só depois sim poderia tirar conclusões.
O que é necessário para participares?
É preciso ter uma equipa com estatuto de pró tur, que é a divisão máxima do ciclismo internacional ou então estar numa equipa profissional e que surja um convite que é bastante mais complicado.
E o teu futuro após esta grande vitória? Dás prioridade ao Tavira ou procuras outra formação que te dê outras condições financeiras e desportivas?
Nunca escondi que se tiver essa oportunidade e se reunir condições vou tentar aproveitá-la; sei que é difícil, mas também não é impossível. Se tivesse essa oportunidade penso que qualquer ciclista a agarraria e se isso acontecer também vou tentar agarrar.
E já há alguma perspectiva?
Para já não; claro que há sempre algumas abordagens, mas daí até serem coisas efectivas e que mostrem algum interesse real, isso já é diferente. Se houvesse oportunidade claro que ia tentar subir na carreira e nunca escondi isso. O ciclismo em Portugal está a atravessar um momento bastante difícil e penso que a solução passa pelo internacional.
Se te dessem a escolher entre a Vuelta, o Giro ou o Tour, qual seria a tua opção?
Não tenho preferência (risos); há sempre preferências e claro que se me dessem a escolher era o Tour, mas as coisas não funcional assim. Se vier alguma proposta será bem vinda.
Houve muitas críticas este ano à Volta em Portugal devido ao facto da mesma ter decorrido sobretudo no norte e centro do pais e o Sul ter sido «esquecido». Tratam-se apenas que questões financeiras e de logística, ou o Sul não é terreno aliciante para o ciclismo?
As críticas não têm que ir para a organização, se calhar têm que ir para as autarquias, para o Algarve, não há investimento e sem investimento é lógico que as coisas tornam-se bem mais complicadas. Há empresas que também sabemos que passam por muitas dificuldades. A região de turismo do Algarve sairia sair bastante beneficiada e não os deixam, o que é triste.
Os estudos comprovam que o ciclismo é uma das modalidades que dá mais retorno, é complicado.
Foi sempre um sonho o ciclismo?
Sempre passou por isso. Desde miúdo que sempre gostei muito desporto, sempre joguei à bola, corri e andei de bicicleta e desde o momento que entrei no ciclismo, depois de passar a profissional tive o sonho de ganhar a Volta a Portugal e os seguintes objectivos passam por entrar numa equipa internacional que me dê margem para evoluir, de fazer outras corridas que em Portugal não há possibilidade de fazer.
Há escolas de ciclismo no Sotavento algarvio?
Não, o mais próximo é Tavira, onde estou.
Nunca houve um apelo a essa parte para a inserção da modalidade desta região?
Houve uns ano também uma escola em Cacela, mas teve pouca duração, e esperemos que futuramente possam haver mais escolas.
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Após a Volta o humilde campeão natural da Cortelha disputou os circuitos pós-volta e já entrando na recta final da época Ricardo Mestre integrou a selecção nacional no final de Agosto para disputar a Volta a Tenerife seguindo-se a Volta à Bulgária posteriormente fechando a época com chave de ouro nos mundiais de Copenhaga, Dinamarca no final do mês de Setembro onde foi 59º num pelotão de 210 ciclistas á partida dos mais de 250 quilómetros que compunham estes mundiais. Para fechar a época Ricardo Mestre irá estar presente no festival de Pista em Tavira que se corre dia 5 Outubro, prova que fecha a época de estrada do calendário nacional.
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